domingo, 2 de outubro de 2011

IMPRENSA E TEXTO JORNALÍSTICO LITERÁRIO


IMPRENSA E TEXTO JORNALÍSTICO LITERÁRIO
                                                  
                                                   Waldenio  Porto
                     Presidente da Academia Pernambucana de Letras


O mundo contemporâneo vive uma época de comunicação rápida e instantânea. Dentro deste contexto a imprensa e o texto jornalístico estão inter-ligados e demarcam o seu espaço. No  decurso dos anos vinte do século passado, surgiu o termo  “cultura de massas”, caracterizada pelo  aparecimento de novos instrumentos de informação, direcionados  a atingir milhares de pessoas ao mesmo tempo. Os conceitos e o modo  de agir e pensar das pessoas são modelados pelo que se  convencionou  chamar  de  “mídia” .  Que é a grande formadora de opinião.
Esta promove “a inserção no mercado de produtos que são consumidos pela sociedade.  A  “Mídia” tem o poder de manipular as massas,  “ditando” o que deve ser consumido”. Um exemplo disso é a proliferação dos “fast-foods”, que alteram fundamentalmente o nosso  hábito  alimentar  e  trazem, em contrapartida,  a obesidade, a hipertensão, o diabetes.
A mídia é extremamente  manipulativa, isolando as pessoas e  influenciando  sua  capacidade de opção, ao submetê-las incansavelmente à publicidade  e consumo dos  mesmos  produtos. A liberdade de escolha não passaria de pura ilusão, resultando na aceitação da  mensagem veiculada. Que visa só o lucro a partir da domesticação  das populações.
Neste processo está  a imprensa. Que, infelizmente, antes de  esclarecer, promover e divulgar os fatos positivos e edificantes, resvala para o que diz o IBOPE, arauto do  consumismo.
O interesse  comercial lamentavelmente prevalece.  O público iletrado, e este é o mais numeroso num país de analfabetos, opta por textos sensacionalistas e por  programas  de baixo  nível. A imprensa, através do texto jornalístico, ao invés de procurar reverter esta tendência  malsã,  existente nas camadas do povo menos favorecidas intelectualmente, concorda com a deformação  cultural e aplaude esta preferência. Porque o que interessa mesmo é manipular a ignorância do povo e  vender mais. Isto equivale  a um prejuízo permanente da qualidade do cidadão. A imprensa se afasta dos fundamentos da sua filosofia ideal, em  benefício do consumismo.

Quando,  nos anos 60, cheguei ao Rio de Janeiro para fazer  a Residência  de Cirurgia, escandalizei-me com o  sucesso de “A LUTA”, jornal de Tenório Cavalcante. Este era o homem, aliás, o deputado federal, mais violento da  baixada fluminense. Vestia uma capa preta e andava com uma metralhadora, na época chamada de “Lourdinha”, que fez sucesso  na II Guerra Mundial. Dizia-se que, se alguém torcesse as páginas do seu  jornal, escorreria sangue. Todos os crimes, a violência, os casos  mais escabrosos da marginalidade delinqüente do Rio, estavam contados, em detalhes, com documentação fotográfica pavorosa. E eram  os  serventes, vigias, porteiros, os faxineiros, os  taxistas, o público leitor. Não porque fossem de profissões mais  humildes, mas por  serem  analfabetos ou semi-analfabetos e morarem nas favelas. O meio  ambiente pernicioso complementado pela informação  viciosa. A cultura  da  violência plantada no caldo grosso da ignorância. Ao relatar irresponsavelmente os feitos dos bandidos transformava-os em heróis. A notoriedade às avessas. E estimulava o surgimento de seguidores. As drogas e os “bicheiros”  fizeram o resto.  Hoje temos a Cidade Maravilhosa transformada em uma  praça de guerra.
Os jornais atualmente seguem  a linha de Tenório Cavalcante. Em benefício da maior vendagem e penetração. As primeiras páginas estampam, em manchetes espalhafatosas, os crimes mais hediondos. Para atrair um público ávido pela desgraça alheia, numa atitude sádica. Contamina as mentes malformadas e cria uma atmosfera favorável   ao crime.
O texto, o texto jornalístico é o responsável. Que vem nos diários, na televisão ou no  rádio. O texto jornalístico. Encontro hoje no Recife e em toda  parte o mesmo  público dos anos sessenta no Rio de Janeiro. Prefere programas tipo  “bandeira-dois”, lendo, ouvindo ou vendo.  O locutor se esgoela e perde o fôlego, apoplético,  ensandecido, no mesmo diapasão em  que irradia  uma partida de futebol. Onde os jogadores são os  bandidos. Que têm  seus nomes divulgados. É a glória da marginalidade. Tira do anonimato e dá  “status”. A exaltação do anti-herói. A favela desceu os morros e passou a habitar entre nós.
Outra vítima desta distorção absurda encontramos em nossas indefesas crianças, expostas a uma programação deletéria para suas mentes. Começam por não aprenderem a falar o português correto através da televisão. Pecado capital  do qual todos nós somos responsáveis, na medida da nossa tolerância  e aceitação.
As  nossas  crianças ainda são alvo da desconstrução da nossa nacionalidade  e  cultura, que frutifica depois na mediocridade do cidadão. Exemplo disto é a MacDonald que atrai as crianças com brinquedos e brindes para viciá-las  nos seus produtos alimentares, criando  uma dependência viciosa, afastando-as da tradição da  cozinha brasileira. A televisão e a internet, como instrumentos da mídia, criam um mundo virtual. No qual as nossas crianças vivem e não conseguem  escapar. Transformam-nas em indivíduos cada vez mais solitários, agressivos e anti-sociais. Em geral passam cinco a seis  horas por dia em frente à telinha.  Os jogos violentos e mesmo os   “desenhos animados”  igualmente agressivos tumultuam seu mundo de fantasia. Em conseqüência  deformam a personalidade da infância  e  criam os marginais da adolescência. São a geração sujeita à lavagem  cerebral dos jogos de guerra, cujas técnicas são usadas nos assaltos, nos arrastões,   nos bloqueios e incêndios de veículos  em plena via pública, nos atentados às delegacias  e aos quartéis. Um adolescente  nos  Estados Unidos  invadiu uma delegacia e, sem nenhuma motivação, matou três  policiais, que nem  conhecia, como sempre estava acostumado a fazer na internet, confessou. O mundo virtual invadindo  o mundo real.  Prestem atenção!  Esta situação  está chegando até aqui.  A tragédia  recente do Realengo repete o mesmo episódio de “serial killer”, incompreensível e traumático. As  nossas  crianças e adolescentes estão doentes, como demonstra o perverso  “bullying”,  desfiguração do comportamento persuadida pela internet, através do Facebook, Orkut, Twitter.
Nós somos a parte pensante da sociedade e responsáveis pelo futuro deste país. Somos os herdeiros do passado e testamenteiros do porvir. Não adianta reclamar do falar errado, da ignorância e despreparo e agressividade  da nossa juventude, induzidos  desde  a mais tenra idade a esta pobreza  intelectual e moral, sem apontar os verdadeiros culpados pelo baixo nível imposto aos novos brasileiros.
Há uma verdadeira deformação no aprendizado da língua, escala de valores, banalização da vida, rejeição da cultura nacional, favorecendo a estrangeira. Além disso subverte  os conceitos familiares sobre os quais se alicerça a Nação Brasileira e introduz, sub-liminarmente, o “way of life” americano, com a pasmosa modificação da relação entre pais e filhos, a desagregação da família, a modificação dos conceitos de ética e moral, gerando a violência e a corrupção.
Além de alimentar a deformação do organismo social, promovendo o afastamento da lei e a desagregação do contexto familiar, a imprensa descura-se da língua, seu natural instrumento do trabalho. E foi omissa  a imprensa quando da reforma ortográfica, que tratou de modificar a maneira de escrever a língua portuguesa, alterando-lhe a gramática e abolindo o uso dos acentos. Durante quase um milênio  o nosso idioma se expandiu e atingiu todos os continentes, conservando, basicamente, a sua estrutura. Houve adequações locais, refletindo as peculiaridades dos vários povos, num enriquecimento salutar. A diversidade dentro da unidade lingüística é que tem feito a fortuna do nosso idioma.  Durante quase um milênio não degenerou em dialetos, como aconteceu com o provençal, e se mantém fiel às  raízes latinas e aos clássicos que lhe deram a fisionomia atual. O português se transformou numa língua moderna e rica, com personalidade própria.  Ganhou o fórum de terceira língua mais falada do mundo ocidental, logo abaixo do inglês e do espanhol. O português é riquíssimo. Tem mais de quatrocentos mil vocábulos. Possui  uma literatura impressionante, apreciada, escrita e corrente nos  cinco continentes.
Acontece que na língua inglesa não existe acentuação  ortográfica. No entender dos senhores da mídia e da globalização  o português deve adotar os mesmos parâmetros da língua nórdica e abolir os acentos nas palavras, o “c”  cedilha, que ainda existe nos teclados dos computadores.  Por trás de tudo está o interesse de atingir o nosso idioma. Os computadores, que só falam inglês, desejam reduzir tudo ao “mínimo denominador comum” da sua conveniência.
Como ficará agora a prosódia com a esdrúxula  inovação? Como ficará a correta pronúncia dos vocábulos, sem a ajuda dos acentos, sinalizadores essenciais à fonação correta das palavras? O espanhol tem não só um, mas dois acentos de interrogação, um no início da frase e outro no fim. E não cogita de aboli-los. Iremos no Brasil aprofundar ainda mais o abismo pedagógico do ensino da língua. O idioma francês não sente esta necessidade, nem providencia modificar a grafia ou abolir os acentos. Alguém já imaginou se os gramáticos franceses fossem  se portar como os brasileiros?  E começassem  a modificar a ortografia?  O ditongo “ai”, que se pronuncia é aberto, seria substituído por é  mesmo; idêntica providência aconteceria com  “gn” , que viraria nh;  “tion”, por cion; “u”, por i; “ph” por f; os  dois “ll”  juntos, simplesmente desapareceriam. Uma verdadeira  e  anárquica subversão da língua francesa, que ficaria irreconhecível. Tudo em nome da fonética. Falacioso  argumento. Mudar por mudar.  Ou, o que é pior: para servir ao interesse comercial dos impressores que multiplicarão as edições das obras didáticas.  Como diz a acreditada lingüística  Lia Luft: “Deixem em paz a nossa língua”!
Enquanto outros países como a França, a Alemanha, a Espanha e a própria China se esforçam em divulgar seus idiomas, o Ministério de Educação do Brasil distribui aos alunos  500.000 exemplares do livro “Por uma vida melhor”, de Heloisa Ramos, ensinando que se deve ignorar a gramática e falar errado, alegando que o   povo fala assim  mesmo. Escandaloso.  E no momento em que o país se esforça para melhorar o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano - , cujo item principal e primeiro é a educação, no qual  ocupa um vergonhoso 73º  lugar, atrás da  Argentina, Chile, Uruguai e México. E o IDEB  - Índice de Desenvolvimento  da Educação Básica  - , onde decresce à  humilhante  53ª posição? Custa acreditar neste desserviço patrocinado pelo próprio Ministério da Educação do Brasil. Não causa espanto que na lista das 100 melhores universidades do mundo o Brasil ocupe o 94º  lugar. E ainda criam uma ridícula terminologia nova como “preconceito lingüístico”, para condenar o ato de corrigir a linguagem errada! Quer dizer que se deve   pedir  desculpa para ensinar o certo.  “O tempora, o mores”. Oh tempo, oh costumes! Em que mundo nós estamos vivendo?
Está em moda falar errado e mal. Que o digam os textos da imprensa   televisiva. Ignoram-se  as mais comezinhas regras gramaticais. Como a concordância, a conjugação dos verbos, as variações pronominais. Com a televisão corre-se o risco de, dentro de pouco tempo, adulterar-se completamente a língua, falando-se o paulistano que é o pior português do Brasil.  Não se diz mais, amá-la, esperá-la, recebê-lo, vê-lo. Foram substituídos por, amar ela, esperar ela, receber ele, ver ele. Está em uso o achincalhe, o deboche, a gíria, os termos rebarbativos, os estrangeirismos, que só desvirtuam, deformam e empobrecem a língua. Além do  mais se padece de uma clamorosa pobreza vocabular. Não se procura ampliar o conhecimento das  palavras. É ignorância mesmo  do vernáculo. Não se  consultam  mais  os dicionários.  Como remédio utiliza-se  a gíria. Que tem a peculiaridade de oferecer palavras novas de significado múltiplo  e que se adéquam  a qualquer situação, como “bacana, galera, legal, bombando  e  beleza”.
Como diz Arnaldo Jabor, “cresce no País  uma cultura da incultura”. Porque a língua é, depois do território, o maior patrimônio de um povo. Como é dever inalienável defender a integridade territorial, não é menor obrigação  preservar o idioma do país. Que não pode ser atingido e modificado por decreto. Porque tem História, acompanhou o desenvolvimento do povo, é a expressão de uma cultura, tem normas e regras que disciplinam  sua existência e não podem ser subvertidas.
A Academia Pernambucana de Letras se posicionou contra a reforma ortográfica,  ditada mais pela mídia, que subverte a prosódia  e dificulta o aprendizado da língua. A Rede de Integração  das Academias de Letras do Nordeste, formada pelas  Academias de Letras do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, que representam a cultura desta parte do Brasil, não foi omissa e endossou a iniciativa da Academia Pernambucana  de Letras  em defesa do idioma pátrio. E combateu a implantação da inoportuna reforma, imposta pelos oligopólios  do SUDESTE, que se têm como os donos da cultura brasileira. Esta  uma obrigação das Academias de Letras. 
A Academia  Pernambucana de Letras  firmou posição e elaborou um documento, no qual discordava da alteração pretendida, e que foi enviado a várias entidades, inclusive à Academia Brasileira de Letras  e à Academia de Ciências e Letras de Lisboa, em Portugal.
E que fez a imprensa? Quase que simplesmente apenas noticiou. Esperava-se  uma atitude mais firme, definida, debates, e não o alheamento lamentavelmente ocorrido.
Cabe sim  à imprensa  fomentar o hábito de ler, num país onde o interesse pela leitura é diminuto. Em seu próprio interesse comercial. Tomemos  como exemplo o caso do Japão, onde sessenta milhões de jornais são vendidos diariamente. Seguido pelos Estados Unidos com quarenta e cinco milhões. Mesmo enfrentando a concorrência da televisão, Internet e do celular.  Não se venha dizer pois que estes  meios recentes de veiculação da notícia esgotam e limitam a aceitação da imprensa. Temos de pensar, elaborar, ser ouvidos e marcar presença.  As nossas Academias vivem hoje um grande momento no Nordeste, de harmonia, respeito mútuo e entrosamento. Formam um bloco compacto em defesa da nossa  identidade cultural nordestina, promoção da literatura e interação com o povo.  Superamos, como dizíamos, o tempo das   “igrejinhas literárias”, das intrigas paroquiais que só  apequenam. Trabalhamos  coesos. Porque a cooperação traz muito mais resultado que a competição. As redes  nacionais de televisão nos ignoram, só veiculando e impondo programas gerados no SUDESTE, hostilizando e menosprezando as nossas raízes. É hora de defendê-las porque  o Nordeste exige respeito.  Precisamos nos unir e debater  esta realidade que afeta frontalmente o nosso povo. Esta é a razão de ser da Rede de Integração das Academias de Letras do Nordeste.
Os valores  artísticos, a literatura, os pintores, os escultores, o artesanato que expressam as nossas existências, não têm vez. Pernambuco e o Nordeste acodem   amparando   esta luta.  As nossas vinte Academias de Letras espalhadas pelo território de Pernambuco, se intercomunicam, promovem congressos, festivais e geram proposições  em resposta aos anseios do povo, estão integradas na defesa de nossa identidade cultural.

Palestra proferida plo companheiro Waldênio Porto em nossa reunião dia 29 de setembro de 2011. 
Colaboração dos companheiros Waldênio Porto e Paulo Viana.